Deutsches Zentrum für integrative Biodiversitätsforschung (iDiv)
Halle-Jena-Leipzig
 
21.08.2020 | Português

Decomposição em turfeiras: quem são os responsáveis e quais fatores são importantes?

Figura 1: Exemplo de uma rede trófica simplificada: Exemplo de um predador (A) Ácaro predador; Decompositores secundários (B) Exemplo de ácaros oribatídeos (C) Exemplo de colêmbolo; Decompositores primários (D) Fungo (E) Fungo com bactérias na parte debaixo da foto (elipse) (F) Minhocas (G) Vegetação em uma turfeira (somente plantas mortas são decompostas). As setas representam um evento alimentar e apontam na direção que a energia é transmitida (a ponta da seta aponta para o organismo que se alimenta do outro).

Figura 2: (A) Turfeira (B) Montículo de solo (C) Depressão no solo com saquinhos de chá (D) Saquinhos de chá (10 cm × 7 cm e os furos são 1 mm) (E) Musgo (espécie Sphagnum sp.) (F) Arbusto (espécie Chamaedaphne calyculata) (G) Gramínea (espécie Carex sp.) (H) Funil de Tullgren (extrator de fauna).

Figura 3: (A) Diferentes níveis de decomposição em folhas; gramíneas se decompuseram mais durante um ano do experimento. (B) Depressões tiveram mais espécies e mais indivíduos de ácaros oribatídeos e colêmbolos. As imagens estão fora de escala.

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Carlos Barreto1* and Zoë Lindo1

1 Soil Biodiversity and Ecosystem Function Laboratory, Biotron Experimental Climate Change Research Centre, Department of Biology, Western University, London, ON, Canada

Todo os tipos de solo estocam carbono. Quando as plantas crescem, elas retiram carbono da atmosfera, e o carbono retorna ao solo quando as plantas morrem. Este material composto de plantas mortas se decompõe lentamente com a atividade das bactérias, fungos, e animais muito pequenos chamados ácaros e colêmbolos, os quais usam o carbono como fonte de alimento. O processo de decomposição é bastante lento em turfeiras, e como resultado, grande parte do carbono originário das plantas que morreram continua nos solos, o que ajuda a frear o aquecimento global. A decomposição em turfeiras depende de quão molhado o solo está, e também dos diferentes tipos de plantas e organismos que nele habitam. Nós descobrimos que, em uma turfeira no Canadá, folhas mortas de diferentes plantas se decompuseram em diferentes taxas (velocidades), e mais ácaros e colêmbolos (os quais auxiliam na decomposição) foram encontrados em áreas mais úmidas. Levando em consideração que as turfeiras são importantes ecossistemas para o estoque de carbono em solo, entender quem são os organismos que ajudam na decomposição da matéria orgânica vai nos ajudar a entender como desacelerar o aquecimento global.

INTRODUÇÃO

Decomposição é o processo natural de quebra (degradação) da matéria orgânica de plantas e animais depois que eles morrem. Durante a decomposição, a composição química das plantas e animais mortos muda, e o carbono é então liberado para atmosfera. A decomposição resulta da atividade de diferentes tipos de organismos como os fungos (Figura 1D), bactérias (Figura 1E), minhocas (Figura 1F), ácaros oribatídeos (Figura 1B), e colêmbolos (Figura 1C). Por exemplo, bactérias e fungos degradam folhas mortas diretamente e, por isso, são considerados decompositores primários. Bactérias e fungos servem de alimento para os ácaros oribatídeos e os colêmbolos, os quais sao então considerados decompositores secundários. No topo da cadeia estão os ácaros predadores (Figura 1A), os quais consumem os decompositores secundários. Assim podemos dizer que ácaros oribatídeos e colêmbolos indiretamente afetam quão rapidamente a decomposição ocorre, em outras palavras, as taxas de decomposição.

Turfeiras são importantes ecossistemas que acumulam material vegetal parcialmente decomposto (Figura 1G), e assim estocam o carbono contido nesse material [1] (Figura 2A). O principal tipo de vegetação das turfeiras são os musgos (Figura 2E). Musgos são plantas pequenas e de crescimento lento que precisam de muita água para sobreviver uma vez que eles não têm raízes verdadeiras. Musgos também são decompostos bem lentamente quando eles morrem. Turfeiras são bastante molhadas (às vezes até alagadas), e a decomposição é mais lenta comparada à decomposição que ocorre em outros ecossistemas como as florestas e as pastagens, que são naturalmente mais secos. Como resultado, mais plantas que morrem são acumuladas, o que significa menos carbono liberado das turfeiras para a atmosfera em comparação a muitos outros tipos de ecossistemas. Em outras palavras, mais carbono entra e é retido (estocado) nas turfeiras do que é liberado de volta para a atmosfera na forma de gás carbônico. O gás carbônico é um gás de efeito estufa que retém calor na atmosfera da Terra, e como consequência, as turfeiras podem ajudar a frear ou reverter as mudanças climáticas. Elas podem fazer isso retendo mais carbono em seus solos.

Diferentes fatores podem influenciar o processo de decomposição em turfeiras; por exemplo, quão úmido o solo é, os diferentes tipos de material vegetal morto, e quais os tipos de organismos são encontrados nas comunidades no solo. Como nós tínhamos o objetivo de investigar quais os fatores influenciam a decomposição nas turfeiras, nós viajamos até uma área no Norte de Ontário no Canadá para estudar ácaros oribatídeos e colêmbolos que habitam o solo de uma turfeira naquela área. Nós estudamos as comunidades de ácaros oribatídeos e colêmbolos em diferentes áreas da turfeira por dois motivos: o primeiro é que pouco se sabia sobre quais as espécies desses animais de solo são encontradas em turfeiras, e a segunda é que queríamos quantificar a contribuição desses animais na decomposição de folhas.

O QUE NÓS FIZEMOS?

Um grupo de pesquisadores da Universidade Western (London, Ontário, Canadá) vem trabalhando nesta turfeira no Norte de Ontário em colaboração com cientistas do Governo Provincial do Instituto de Pesquisa Florestal de Ontário. Nós trabalhamos para responder perguntas científicas sobre as turfeiras através de estudos com plantas, ácaros, insetos, mercúrio, carbono e água. Esta turfeira é quase toda coberta por musgos Sphagnum que criam áreas elevadas chamadas montículos (Figura 2B), mas também depressões (Figura 2C). Os montículos são formados através do acúmulo de musgos e outras plantas, e geralmente são mais secos em sua superfície. Para este estudo, nós questionamos se as comunidades de ácaros e colêmbolos (decompositores secundários), e as taxas de decomposição (quão rapidamente as plantas mortas são decompostas) são diferentes entre os montículos e as depressões nesta turfeira.

O QUE NÓS FIZEMOS NA TURFEIRA?

Uma maneira comum de se estudar decomposição é através dos saquinhos de chá [2]. Para este fim, saquihos de chá são feitos de malha e podem ser enchidos com folhas de plantas mortas; os buraquinhos da malha permitem que os pequenos organismos de solo entrem e saiam dos saquinhos. Nós enchemos os saquinhos (Figura 2D) com folhas de três tipos de plantas: musgo (Figura 2E), arbusto (Figura 2F), ou gramíneas (Figura 2G), e usamos uma balança para determinar o peso seco inicial das folhas contidas em cada saquinho.

Em Junho de 2015, nós colocamos um saquinho de cada tipo de planta (três saquinhos no total) em cinco montículos e em cinco depressões. Os saquinhos foram afixados ao solo usando um longo alfinete, e foram deixados no campo por um ano para que os organismos tivessem tempo de colonizá-los e ajudar na decomposição das folhas. Depois de um ano, nós voltamos à area, coletamos os saquinhos, e os trouxemos de volta ao nosso laboratório da Universidade Western.

O QUE NÓS FIZEMOS NO LABORATÓRIO?

De volta ao laboratório, nós colocamos cada saquinho em um equipamento chamado funil de Tullgren (Figura 2H). Dentro deste funil existe uma lâmpada incandescente que, quando acesa, aquece o saquinho e faz com que os organismos migrem para pequenos potinhos onde então nós podemos coletá-los. Depois da extração, nós cortamos os saquinhos e secamos as folhas no forno antes de pesá-las novamente. Nós observamos os organismos com um microscópio e os separamos de acordo com a sua aparência. Nós também contamos quantas espécies de organismos de solo estavam presentes em cada saquinho. Esta tarefa demorou em torno de cinco dias com dois pesquisadores trabalhando durante o dia todo. Finalmente, nós comparamos o peso inicial e final das folhas em cada saquinho, e essa diferença se refere à decomposição das folhas. Em outras palavras, a quantidade de massa perdida depois de um ano é uma medida da atividade decompositora dos organismos do solo.

O QUE NÓS APRENDEMOS?

Nós descobrimos que folhas de diferentes plantas se decompõem em diferentes taxas. As folhas de gramíneas (redução de 42.5% da massa) foram mais decompostas do que as folhas de arbustos (redução de 30.5%), enquanto as folhas de musgos tiveram a menor taxa de decomposição (redução de apenas 20.3%) (Figura 3A). No entanto, não encontramos diferenças nas taxas de decomposição das folhas em saquinhos colocados nos montículos em relação aos saquinhos colocados nas depressões. Em nenhum dos casos os saquinhos estavam completamente submersos ou encharcados, apesar das depressões serem áreas mais úmidas do que os montículos.

O número de ácaros em um único saquinho variou de zero a 203 indivíduos, enquanto este número variou entre zero e 123 para os colêmbolos.  Nós achamos mais indivíduos de ácaros e colêmbolos em saquinhos colocados nas depressões, do que saquinhos que ficaram um ano nos montículos (Figura 3B). Porém, estes pequenos animais não mostraram preferência por nenhum tipo de folha de planta em específico uma vez que os números encontrados foram bem semelhantes entre os saquinhos com folhas de musgo, arbusto e gramínea. Um tipo específico de ácaro chamado ácaro oribatídeo (Figura 1B) foi dominante em todos os saquinhos, representando 53.6% do total de indivíduos. Em seguida foram os colêmbolos, representando 40%. Outros grupos de ácaros, algumas aranhas, e larvas de insetos também foram coletados, mas representaram somente 6.4% dos animais coletados nos saquinhos. Além de terem mais indivíduos, os saquinhos que ficaram nas depressões também tiveram mais espécies. No total, nós encontramos 20 espécies de 506 indivíduos de ácaros oribatídeos, e sete espécies de 378 indivíduos de colêmbolos (Figura 1C). As comunidades de ácaros oribatídeos coletadas em saquinhos nas depressões foram mais semelhantes entre si, e além disso elas tiveram mais espécies do que as comunidades presentes nos saquinhos dos montículos.

POR QUE ESTES RESULTADOS SÃO IMPORTANTES?

Poucos estudos existiam sobre as comunidades de ácaros e colêmbolos de turfeiras, e obter mais conhecimento sobre quem são esses organismos foi o nosso primeiro objetivo para este estudo. Além disso, entender como as comunidades destes pequenos animais são diferentes dependendo das condições em que elas vivem é uma boa maneira de avançar o conhecimento da dinâmica da decomposição, processo naturalmente lento em turfeiras.

Embora muitas vezes ácaros os oribatídeos e colêmbolos sejam considerados decompositores secundários [3] por se alimentarem de fungos e bactérias, entender quem eles são, onde eles vivem, e quanto eles contribuem para o processo de decomposição é um importante passo para prevermos a quantidade de carbono que pode de ser liberada dos solos para a atmosfera. Solos de turfeiras são um caso especial porque eles ocupam uma pequena parte do mundo, mas suas baixas taxas de decomposição faz com que grandes quantidades de carbono sejam estocadas [1].

É esperado que aumentos nas temperaturas globais devido às mudanças climáticas alterem os tipos de plantas que existem em turfeiras. Especificamente, temperaturas altas irão permitir que gramíneas sejam favorecidas e dominem áreas antes dominadas por musgos [4]. No nosso estudo, nós observamos que as gramíneas decompuseram mais rapidamente do que os musgos, o que significa que a mudança no tipo dominante de planta nas turfeiras pode de fato aumentar a quantidade de carbono liberado para a atmosfera através da decomposição.

Embora nós não tenhamos coletado bactérias e fungos neste estudo, outros estudos do nosso grupo feitos na mesma turfeira encontrou diferenças nas comunidades de fungos [5] e bactérias [6] entre os montículos e as depressões. Ácaros e colêmbolos foram menos estudados anteriormente, e por isso aqui focamos neles. Os resultados dos fungos e bactérias também sugerem que as mudanças climáticas podem alterar a capacidade das turfeiras de estocar carbono no solo. Em outras palavras, aumentos de temperatura podem acelerar a decomposição de folhas, liberando mais gás carbônico para a atmosfera, reforçando as mudanças climáticas. Por isso, nós devemos nos empenhar para a conservação das turfeiras, uma vez que este são importantes ecossistemas para o futuro de nossas vidas, onde provavelmente mais gás carbônico estará presente na atmosfera. É hora de proteger as turfeiras!

GLOSSÁRIO

Decomposição
Degradação de plantas e animais mortos, que pode ser medida através da perda de massa.

Organismo
Um indivíduo de planta, animal, bactéria, ou fungo.

Turfeiras
Turfeiras são um tipo de ecossistema molhado que estocam grande quantidades de carbono em seus solos.

Mudanças climáticas
Mudanças globais no clima que causam aquecimento da Terra, em sua maioria causadas pelo aumento nos níveis de dióxido de carbono na atmosfera.

Comunidade
Um grupo de diferentes espécies que habitam a mesma área e interagem entre si.

Espécie
Organismos que compartilham as mesmas características físicas e genéticas; por exemplo, todos os seres humanos formam uma espécie, todos os cachorros formam outra, e todos os gatos outra espécie.

 

AGRADECIMENTOS

We were grateful for funding from the Natural Sciences and Engineering Research Council of Canada (NSERC) Discovery Grant program (ZL #418241-2012) and the Ontario Ministry of Research, Innovation and Science, Early Researcher Award (ZL). We thank Dr. J. McLaughlin (Ontario Ministry of Natural Resources and Forestry) for access to the White River, ON field site and Dr. Brian Branfireun for their continued support with our research program. We thank Dr. Greg Thorn and Dr. Branfireun for some of the pictures. Special thanks to Caitlyn Lyons, who helped us with making the language appropriate for children, and to our great young reviewers and their Science mentors. We also thank Dr. Malte Jochum for the invite to be part of this great initiative.

ARTIGO ORIGINAL

Barreto, C., and Lindo, Z. 2018. Drivers of decomposition and the detrital invertebrate community differ across a hummock-hollow microtopology in Boreal peatlands. Ecoscience 25:39–48. doi: 10.1080/11956860.2017.1412282

REFERÊNCIAS

[1] Gorham, E. 1991. Northern peatlands: role in the carbon cycle and probable responses to climatic warming. Ecol. Appl. 1:182–95.

[2] Moore, T. R., Trofymow, J. A., Prescott, C. E., and Titus, B. D. 2017. Can short-term litter-bag measurements predict long-term decomposition in northern forests? Plant Soil 416:419–26. doi: 10.1007/s11104-017-3228-7

[3] Lehmitz, R., and Maraun, M. 2016. Small-scale spatial heterogeneity of stable isotopes signatures (d15N, d13C) in Sphagnum sp. transfers to all trophic levels in oribatid mites. Soil Biol. Biochem. 100:242–51. doi: 10.1016/j.soilbio.2016.06.005

[4] Dieleman, C. M., Branfireun, B. A., Mclaughlin, J. W., and Lindo, Z. 2015. Climate change drives a shift in peatland ecosystem plant community: implications for ecosystem function and stability. Glob. Change Biol. 21:388–95. doi: 10.1111/gcb.12643

[5] Asemaninejad, A., Thorn, R. G., and Lindo, Z. 2017. Vertical distribution of fungi in hollows and hummocks of boreal peatlands. Fungal Ecol. 27:59–68. doi: 10.1016/j.funeco.2017.02.002

[6] Asemaninejad, A., Thorn, R. G., Branfireun, B. A., and Lindo, Z. 2019. Vertical stratification of peatland microbial communities follows a gradient of functional types across hummock-hollow microtopographies. Ecoscience 26:249–58. doi: 10.1080/11956860.2019.1595932

EDITED BY: Malte Jochum, German Centre for Integrative Biodiversity Research (iDiv), Germany

CITATION: Barreto C and Lindo Z (2020) Decomposition in Peatlands: Who Are the Players and What Affects Them? Front. Young Minds 8:107. doi: 10.3389/frym.2020.00107

CONFLICT OF INTEREST: The author declares that the research was conducted in the absence of any commercial or financial relationships that could be construed as a potential conflict of interest.

COPYRIGHT © 2020 Barreto and Lindo. This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License (CC BY). The use, distribution or reproduction in other forums is permitted, provided the original author(s) and the copyright owner(s) are credited and that the original publication in this journal is cited, in accordance with accepted academic practice. No use, distribution or reproduction is permitted which does not comply with these terms.

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AUTORES

CARLOS BARRETO
At a very young age, Carlos realized that he liked animals, maybe too much. In school, science was always his favorite discipline, all the way through to high school. That is when he decided that he wanted to do something that involved science and animals. He tried to be a vet; it did not work out. No regrets. So, he became an ecologist a few years later, and since then, he has been working with little animals (mostly insects and mites) in tropical forests, iron ore and limestone caves, boreal forests, urban fields, and peatlands on three continents: South America, North America, and Europe. *cbarreto@uwo.ca; †orcid.org/0000-0003-2859-021X

ZOË LINDO
Dr. Zoë Lindo is an expert on soil biodiversity and ecosystem function. She has worked extensively in Canadian forests including the mixed-wood boreal of Alberta, the subarctic taiga of Quebec, the coastal temperate rainforest of British Columbia, and the black spruce/peatlands of Ontario. “The overall focus of my research aims to mitigate biodiversity loss in association with human-induced environmental change and maintain ecosystem functioning in Canadian forest and soil ecosystems. I describe myself as a biodiversity scientist to encompass the breadth of my research in the areas of community ecology, soil ecology, and taxonomy.” †orcid.org/0000-0001-9942-7204

TRADUTOR

CARLOS BARRETO
(Autor)

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