German Centre for Integrative Biodiversity Research (iDiv)
Halle-Jena-Leipzig
 
14.04.2021 | Português

A biodiversidade de plantas influencia os ciclos de nutrientes?

Figura 1: A complementaridade entre sistemas de raízes em solo com maior biodiversidade leva a uma ciclagem de nutrientes mais eficiente. Setas largas representam maior absorção de nitrato ou maior atividade de fosfatase em ecossistemas mais diversos; setas estreitas representam menos absorção de nitrato ou menor atividade de fosfatase em ecossistemas menos diversos. Enquanto o nitrato é absorvido pelas raízes e transportado para as partes aéreas da planta, fosfatase é liberada no solo para disponibilizar fosfato para ser então absorvido pelas raízes.

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Eva Koller-France1*, Wolfang Wilcke2, Yvonne Oelmann1

1 Department of Geography/ Geoecology, University of Tübingen, Tübingen, Alemanha
2 Institute of Geography and Geoecology, Karlsruhe Institute of Technology (KIT), Karlsruhe, Alemanha

Todos os seres vivos, como os humanos, os animais, as plantas e até os micróbios precisam dos mesmos nutrientes para viver, principalmente de nitrogênio e fósforo. Entender como funcionam os ciclos desses nutrientes pelo ecossistema é essencial para compreender por que os ecossistemas funcionam do jeito que eles funcionam. Umas das perguntas que temos feito é se a diversidade de organismos, como plantas e insetos, está relacionada a esses ciclos de nutrientes. Quando comunidades de plantas são compostas por muitas espécies diferentes, elas parecem fazer um uso melhor dos nutrientes disponíveis no solo do que as comunidades de plantas que são compostas por uma ou por poucas espécies. Isso pode ocorrer por causa de um mecanismo chamado complementariedade, que significa que diferentes espécies de plantas conseguem acessar os nutrientes disponíveis de diferentes maneiras, como, por exemplo, por explorarem diferentes profundidades do solo. Nesse artigo iremos descrever as conexões entre diversidade de plantas e ciclagem de nutrientes no solo e quais as implicações que isso tem para o funcionamento de ecossistemas.

POR QUE NOS IMPORTAMOS COM OS EFEITOS DA BIODIVERSIDADE NOS CICLOS DE NUTRIENTES?

Todos os seres vivos na terra precisam de certos nutrientes. Em ecossistemas naturais, esses nutrientes, especialmente nitrogênio e fosforo, são adquiridos do solo pelas plantas. As plantas, por sua vez, podem ser consumidas por animais ou pessoas. Os nutrientes então retornam ao solo tanto pelos excrementos de animais como pela decomposição de plantas e animais mortos, podendo assim ser adquiridos novamente pelas plantas. Como todos estes passos se repetem muitas vezes, nós chamamos isso de ciclo de nutrientes.

Em diferentes ecossistemas, e sob diferentes condições ambientais, a ciclagem de nutrientes pode ser mais rápida ou mais devagar e os nutrientes podem ser usados e reciclados por diferentes partes do sistema de forma mais ou menos completa, o que pode causar um desbalanço de elementos. Às vezes há nutrientes no solo que estão mais disponíveis do que precisaria, por exemplo quando eles são adicionados na forma de fertilizantes por fazendeiros, ou porque houve um dia mais quente no inverno e os pequenos organismos que vivem no solo reciclaram e liberaram nutrientes de materiais que estavam se decompondo e que ainda não foram usados pelas plantas porque elas estão na sua fase inativa. Se há nutrientes em excesso no solo, eles podem acabar nas águas subterrâneas e em lagos e riachos. De lá, eles podem ser transportados para rios maiores e para o mar. Se estes corpos d’água recebem uma quantidade muito grande de nutrientes, pode haver um crescimento rápido de algas, causando danos aos ecossistemas aquáticos. Neste caso, uma quantidade grande de algo bom pode se tornar um grande problema. É por isso que estudar os ciclos de nutrientes em ecossistemas sob diferentes condições não é somente um bom jeito de entender como os ecossistemas funcionam, mas também nos ajuda com algumas considerações mais práticas, como entender como proteger o suprimento de água limpa.

Sabemos que a biodiversidade, a riqueza de espécies de um ecossistema desempenha um papel em muitas das funções desse ecossistema, e sabemos também que a biodiversidade está diminuindo em uma escala global. Por exemplo, algumas espécies de abelhas e flores raras estão em processo de extinção e, portanto, muitos ecossistemas são agora menos diversos do que eram anteriormente. Esta é uma das razões pelas quais estamos interessados em saber como o ciclo de nutrientes responde às mudanças de biodiversidade.

QUAL O EFEITO QUE A BIODIVERSIDADE TEM NO NITROGÊNIO NO SOLO?

Uma ligação entre a biodiversidade e o nitrogênio (na forma de nitrato, uma forma de nitrogênio que é absorvida pelas plantas) no solo foi bem estabelecida em experimentos que estudam os efeitos da biodiversidade nos ecossistemas [1]. Nestes experimentos, a diversidade de plantas é estudada através da criação de pequenos ecossistemas modelos (muitas vezes em campos, onde isto é mais fácil de fazer) com um número conhecido de espécies crescendo sob as mesmas condições ambientais, por exemplo, no mesmo campo. Isso é feito semeando uma mistura específica de sementes em um quadrado de terreno, denominado parcela experimental. Estas pequenas parcelas são verificadas regularmente em busca de plantas que não foram semeadas nelas e que são então removidas. Os resultados de parcelas experimentais com maior ou menor diversidade, podem ser comparados muito bem entre si, uma vez que a única diferença entre as parcelas deve ser o número de espécies que crescem nelas.

Nestas experiências em campos, descobrimos que quanto maior o número de espécies de plantas, menor a concentração de nitrogênio no solo, o que é relativamente fácil de explicar. Se as plantas absorvem mais nitrogênio, isso significa que “sobra” menos no solo. Em ecossistemas que são razoavelmente ricos em nutrientes, isto também significa que menos nitrogênio é eliminado nas águas subterrâneas, o que protege a qualidade das águas subterrâneas e os ecossistemas de água doce.

Para compreender estes resultados, devemos considerar um dos outros efeitos importantes da biodiversidade vegetal em ecossistemas não fertilizados, que é um aumento no crescimento das plantas. Quando há maior biodiversidade de plantas, geralmente há mais biomassa vegetal sendo produzida, por exemplo, mais feno nos prados. É necessário mais nitrogênio para construir essa maior quantidade de biomassa. É claro que outra forma de ver a questão é que esta maior biomassa só pode ser construída se as plantas puderem adquirir mais nitrogênio (e todos os outros nutrientes necessários). É aqui que entra em jogo algo chamado de complementaridade.

DIFERENTES ESPÉCIES TRABALHAM JUNTAS PARA ACESSAR OS NUTRIENTES

A complementaridade descreve um mecanismo pelo qual diferentes partes de um ecossistema (como diferentes espécies) utilizam diferentes recursos essenciais (e limitados) de diferentes locais ou em momentos diferentes. A utilização deste recurso por uma espécie “complementa” a das outras espécies. Desta forma, a comunidade de plantas utiliza de forma mais completa os recursos disponíveis. No nosso exemplo, o recurso utilizado é o nitrogênio disponível no solo. Você provavelmente sabe que as plantas absorvem os nutrientes do solo pelas raízes. Mas nem todas as raízes são iguais. Algumas plantas têm raízes fortes e longas que podem acessar partes mais profundas do solo, mas não se ramificam muito no caminho. Outras plantas possuem raízes que atingem apenas partes mais rasas do solo. Se combinarmos apenas estes dois tipos, podemos ver que uma espécie de planta retira água e nutrientes do solo raso, e a outra retira os mesmos recursos de partes do solo mais profundo (Figura 1). Os dois tipos de raízes complementam-se, e isto significa que os nutrientes que não seriam utilizados num sistema que continha apenas uma ou outra destas plantas estão agora sendo utilizados para produzir mais biomassa vegetal, que serve de alimento para micróbios e outros animais. Essas duas plantas utilizam nichos diferentes no espaço, o que chamamos de nichos espaciais. Da mesma forma, nem todas as plantas se desenvolvem e crescem ao mesmo tempo. Se uma espécie se desenvolve no início da primavera e outra só começa a crescer no verão, então estas duas espécies não absorverão a maior parte dos seus nutrientes ao mesmo tempo. Elas usam dois nichos temporais, ou nichos no tempo, e acessam nutrientes e outros recursos de maneira muito mais completa juntos do que fariam sozinhos. Assim, quando não apenas duas, mas muitas plantas crescem juntas utilizando diferentes nichos espaciais e temporais, o nitrogênio no solo é utilizado de forma mais completa e, portanto, resta menos no solo para medirmos.

A BIODIVERSIDADE DE PLANTAS E O FÓSFORO NO SOLO

Seria lógico assumir que o efeito da biodiversidade que acabamos de descrever para o nitrogênio do solo é o mesmo que para o fósforo do solo. Ambos são elementos essenciais e podem limitar a produção de biomassa das plantas. No entanto, talvez surpreendentemente à primeira vista, isto não é algo que encontramos em experimentos de biodiversidade, nos quais controlamos a riqueza de espécies de ecossistemas individuais para estudar os efeitos que a biodiversidade tem sobre estes ecossistemas. Muitas vezes, as concentrações prontamente disponíveis de fosfato, que é a forma química do fósforo que é absorvida diretamente pelas plantas, são tão baixas nos solos dos sistemas que estudamos que simplesmente não pode haver quaisquer “sobras”, como é por vezes o caso com o nitrogênio. Então, a diversidade das plantas tem algum efeito na ciclagem do fósforo?

A resposta curta é sim, provavelmente. Sabemos que há mais fósforo na biomassa de plantas dos sistemas que são mais diversos e esse efeito – semelhante ao nitrogênio – é causado pela maior quantidade de biomassa proveniente de uma maior absorção de fósforo pelas plantas [2]. A questão então é entender como ecossistemas mais diversos podem absorver mais fosfato, embora não possamos perceber os resultados disso no solo.

Para acessar o fosfato no solo, tanto as plantas quanto os micróbios usam enzimas (substâncias que facilitam certas reações químicas) para separar o fosfato de moléculas químicas mais complexas que existem no húmus do solo, a parte orgânica do solo que você provavelmente conhece como composto. Podemos medir a velocidade e a função da fosfatase, a enzima responsável por tornar o fosfato acessível desta forma, o que nos permite estimar quanto fosfato está sendo liberado do solo para uso das plantas ou dos micróbios. Em ecossistemas onde a biodiversidade de plantas é maior, encontramos mais atividade nas fosfatases do solo (Figura 1) [3]. Isto indica que, embora não possamos ver uma maior absorção de fósforo em solos com maior biodiversidade de plantas da mesma forma que podemos ver para o nitrogênio, podemos ver que há um acesso mais eficiente ao fósforo nos solos através de uma maior atividade de fosfatase. Esta é uma forma pela qual a biodiversidade de plantas pode influenciar a ciclagem do fósforo pelo ecossistema.

A IMPORTÂNCIA DA BIODIVERSIDADE PARA O FUNCIONAMENTO DO ECOSSISTEMA

Então, o que tudo isso significa? A suposição geral é que, com a continuação das mudanças globais, mais espécies serão perdidas dos ecossistemas e a biodiversidade continuará a diminuir. Com o declínio da biodiversidade, tanto a ciclagem do nitrogênio como a do fósforo irá se tornar provavelmente menos eficiente, ou seja, os ecossistemas serão menos capazes de manter e reciclar o nitrogênio e o fósforo do que são agora. Esta é uma grande mudança no ecossistema e pode ser um fator que leva a uma redução da produtividade do ecossistema. O declínio da biodiversidade também pode levar à perda de nutrientes do sistema, como o nitrato que é levado para as águas subterrâneas. O nitrato em excesso é um poluente se entrar na nossa água potável e pode ter efeitos negativos nos ecossistemas aquáticos para onde é transportado, causando, por exemplo, o crescimento excessivo de algas. E, no outro extremo, estes nutrientes não estão então disponíveis para as plantas, micróbios ou animais no ecossistema original, deixando o sistema provavelmente mais pobre em nutrientes e menos capaz de sustentar os organismos que nele vivem.

GLOSSÁRIO

BIODIVERSIDADE
Simplesmente o número de espécies em um ecossistema.

BIOMASSA
A quantidade total de massa presente nos componentes do ecossistema, como plantas ou animais. Por exemplo, a biomassa de plantas, que é discutida neste artigo, pode ser definida como toda a matéria viva contida nas raízes das plantas, nos brotos, nas folhas, flores e frutos. Em clima temperado, a biomassa não é constante, mas geralmente aumenta da primavera ao final do verão e diminui no outono.

ENZIMA
Pequenas moléculas que aceleram uma reação (bio)química dentro ou fora das células.

PRODUTIVIDADE DO ECOSSISTEMA
A quantidade de material orgânico, como biomassa de plantas, produzida pelo ecossistema em um determinado momento. Um bom exemplo disso seria a quantidade de trigo ou feno que é colhido num campo durante um ano.

 

REFERÊNCIAS

  1. Oelmann Y, Buchmann N, Gleixner G, Habekost M, Roscher C, Rosenkranz S, Schulze E, Steinbeiss S, Temperton VM, Weigelt A, et al. Plant diversity effects on aboveground and belowground N pools in temperate grassland ecosystems: Development in the first 5 years after establishment. Global Biogeochem Cy (2011) 25:n/a-n/a. doi:10.1029/2010gb003869
  2. Oelmann Y, Richter AK, Roscher C, Rosenkranz S, Temperton VM, Weisser WW, Wilcke W. Does plant diversity influence phosphorus cycling in experimental grasslands? Geoderma (2011) 167:178–187. doi:10.1016/j.geoderma.2011.09.012
  3. Hacker N, Ebeling A, Gessler A, Gleixner G, Macé OG, Kroon H, Lange M, Mommer L, Eisenhauer N, Ravenek J, et al. Plant diversity shapes microbe‐rhizosphere effects on P mobilisation from organic matter in soil. Ecol Lett (2015) 18:1356–1365. doi:10.1111/ele.12530

 

EDITED BY: Malte Jochum, German Centre for Integrative Biodiversity Research (iDiv), Germany

CITATION: Koller-France E, Wilcke W and Oelmann Y (2021) Does Plant Biodiversity Influence Nutrient Cycles? Front. Young Minds 9:557532. doi: 10.3389/frym.2021.557532

CONFLICT OF INTEREST: The authors declare that the research was conducted in the absence of any commercial or financial relationships that could be construed as a potential conflict of interest.

COPYRIGHT © 2021 Koller-France, Wilcke and Oelmann. This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License (CC BY). The use, distribution or reproduction in other forums is permitted, provided the original author(s) and the copyright owner(s) are credited and that the original publication in this journal is cited, in accordance with accepted academic practice. No use, distribution or reproduction is permitted which does not comply with these terms.

 

JOVENES REVISORES

MACKENZIE, IDADE: 14
Meu nome é Mackenzie e gosto de música (tanto de tocar quanto de ouvir), de livros (principalmente fantasia) e de esportes (meu favorito é tênis). Também gosto de ciências, matemática e idiomas, mas o que mais gosto é acampar com minha mochila às costas.

ROSE, IDADE: 14
Olá. Tenho 14 anos e moro no Canadá. Gosto de tricô, crochê, e leitura.

AUTORES

EVA KOLLER-FRANCE
Eva é uma ecóloga de ecossistemas interessada nos efeitos de todos os tipos de mudanças globais no carbono do ecossistema e na ciclagem de nutrientes. Ela passou seus anos de  doutorado vagando pelo Ártico para estudar os efeitos das mudanças ambientais nas ligações entre os ciclos de carbono e nutrientes, e agora ela é pesquisadora de pós-doutorado no Experimento Jena (http://www.the-jena-experiment.de/), estudando os efeitos de longo prazo da riqueza de espécies de plantas na ciclagem de nitrogênio e fósforo.  *ekoller@gmail.com

WOLFGANG WILCKE
Wolfgang Wilcke estudou Geoecologia na Universidade de Bayreuth e agora é professor de Geomorfologia e Ciência do Solo no Instituto de Tecnologia de Karlsruhe (KIT), após temporadas de pesquisa e ensino na TU Berlin, na Universidade Johannes Gutenberg de Mainz e na Universidade de Berna. Os seus interesses de pesquisa centram-se nos efeitos das alterações ambientais, incluindo alterações climáticas, alterações no uso do solo, deposição de nutrientes, poluição e perda de biodiversidade, na ciclagem de elementos entre solos e plantas. Ele usa análises químicas do solo, observações de longo prazo de fluxos de elementos e técnicas com isótopos estáveis.

YVONNE OELMANN
Yvonne é uma cientista do solo que trabalha na ciclagem de carbono e nutrientes do ecossistema. Ela fez seu doutorado na TU Berlin sobre os efeitos da diversidade vegetal na ciclagem de nutrientes em solos de pastagens (http://www.the-jena-experiment.de/). Como pós-doutoranda, ampliou sua perspectiva sobre esta questão, concentrando-se em ecossistemas florestais complexos e incluindo o impacto das populações humanas. Ela foi nomeada professora na Universidade de Tübingen em 2011 e desde então tem trabalhado na ciclagem de carbono e nutrientes em pastagens e florestas em todo o mundo:

TRADUTORA

MARIANA GLIESCH SILVA
Mariana é uma ecóloga interessada em compreender como as interações entre as plantas e o solo, em termos de trocas de nutrientes e associações com diferentes organismos, pode influenciar a diversidade de espécies em um ecossistema. Depois de um doutorado na ETH Zurique sobre como a partição de fósforo pode influenciar a coexistência de plantas, ela é atualmente pesquisadora de pós-doutorado na Universidade de Amsterdam, estudando os efeitos de mudanças climáticas, mais especificamente das secas, sobre as interações de plantas e solos e a quantidade de carbono que é estocada nos solos. * marianagliesch@gmail.com

FUNDING (TRANSLATION)

The team Translating Soil Biodiversity acknowledges support of the German Centre for integrative Biodiversity Research (iDiv) Halle-Jena-Leipzig funded by the German Research Foundation (DFG FZT 118, 202548816).

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